Entrevista: Marcelo Jeneci

Se Marcelo Jeneci é do tipo que faz resoluções para o ano novo, certamente deve ter realizado boa parte delas em 2011. O ano marcou o cantor como uma revelação da música brasileira. Seu álbum lançado em 2010 chegou a mais ouvidos, e no final do ano ele ganhou até um fã clube. Um ganho notável para quem era praticamente anônimo fora do Baixo Augusta, em São Paulo.

À frente do palco, revelou ter presença e carisma que faltam aos contemporâneos de sua geração, cativando mais e mais pessoas. Isso o garantiu público em todo Brasil, como ele nos contou, reuniu seis mil pessoas em Fortaleza, e como a gente viu, encheu um Circo Voador no Rio.

É num clima muito alegre que ele começa mais um ano. Batemos um papo com ele antes da apresentação do dia 14 de janeiro no Circo Voador. Na ocasião, ele dividiu a data com Tulipa Ruiz, outra que curtiu intensamente 2011. Jeneci conversou sobre o ótimo ano que passou, os planos para o novo disco — que não sai antes de 2013, parcerias e a recente turnê internacional.

Fita Bruta: “Feito Pra Acabar” foi lançado no final de 2010 e mesmo assim conseguiu entrar em todas as listas. E acabou maturando ainda mais em 2011. Você esperava isso?
Marcelo Jeneci: Eu queria que isso acontecesse. E eu fico ainda em 2012 trabalhando nele, ou seja, maturando ainda mais fazendo com que ele chegue para mais pessoas porque conforme o tempo passa o disco vai chegando pra mais gente, mais público, mais pessoas. E é engraçado que eu fico o ano inteiro recebendo comentários sobre o disco como se fosse do lançamento do disco. Então talvez eu tenha um disco que mereça um pouco mais de tempo. Não preciso de ir prum segundo disco tão rapidamente. Eu posso ir levando esse mais adiante enquanto componho as próximas músicas. Em 2012 continuo trabalhando com o disco para aumentar ainda mais a receptividade do público.

FB: Se a gente for fazer um panorama dos shows que você fez no Rio de Janeiro ano passado, o repertório se fortaleceu muito. As pessoas cantam mais e mais as músicas.
Jeneci: Não só no Rio, em outros estados que a gente não costuma tocar muito a recepção foi muito boa também. No primeiro show que eu fiz em Fortaleza tinham seis mil pessoas, só tinha o show, não era um festival. Seis mil pessoas num gramadão, 80% delas ali pra ouvir. Cantaram quase que o show inteiro. Isso foi um dia depois do VMB, que eu tava lá super indicado e saí querendo acreditar que existia pouca diferença entre ser indicado e ganhar. No dia seguinte eu vi que as minhas premiações vem por outro canal, esse show de Fortaleza mostrou isso. Em Belém do Pará também, no Festival Se Rasgum, era de domingo para segunda, o show começou uma e meia da manhã e muita gente ficou para assistir. O repertório do disco tá ficando cada vez mais forte, ele merece um pouco mais de tempo.

FB: As suas canções trouxeram uma identificação que o público não tinha há muito tempo. Um pop e muito bem feito, produzido, gênero muito mal explorado no Brasil. Saindo da cena paulista, bem fortalecida localmente, você resgatou e amplificou isso de uma forma ainda mais popular e sofisticada ao mesmo tempo. Você se vê como um elo entre esses dois mundos?
Jeneci: Eu me vejo muito livre para trazer conteúdos e referências de lugares distintos, de extremos. Ao mesmo tempo que posso insistir num lado romantico, melódico e pop; eu também convivo e frequento esse universo mais underground, indie, com uma pegada mais low-profile um pouco mais cool. Fico indo de lá pra cá para fazer a minha música o ambiente em que eu vivo. Um artista que faz isso muito bem e é uma boa referência para explicar o que eu tento fazer, que é o Beck. Ele junta as duas coisas, é sempre um disco bem produzido, letra bem elaborada, uma sonoridade desafiadora. Me sinto amparado quando vejo o trabalho dele, vejo que não tô sozinho.

FB: O Beck busca referências estranhas à cultura norte americana. Tropicália, Serge Gainsbourg, estilos musicais diferentes que ele junta na coleção de discos e leva pra produção. Você faz um processo parecido quando revisita a Jovem Guarda e Guilherme Arantes. Tudo com um toque mais moderno e preservando a poética do passado.
Jeneci: Tenho essa vontade de olhar pra trás um pouco. A vida é como um pensamento, tanto ela vai pra frente, pro lado quanto vai pra trás. E o que eu faço é exatamente isso, parar num ponto, olhar para trás e repaginar o que já foi feito, tornar isso o novo.

FB: “Por Que Nós” é a música de “Feito Pra Acabar” que melhor retrata a sua geração. Pedindo mais atenção, reconhecimento sem rótulos. Um grupo cheio de genialidades subjugado. Hoje a situação mudou um pouco, a cena paulista virou referência. Você acha que a música merece uma repaginada?
Jeneci: O legal dessa música é que ela foi feita com o Luiz Tatit, do Grupo Rumo. Ele tem uma forma de compor diferente de qualquer compositor brasileiro, ele criou um caminho dele. E a música é uma melodia minha com letra dele, ou seja, ele diz isso falando do momento que ele viveu há algumas décadas e levantando essa essa questão geracional, é um relato dele e um desabafo dele, e é um relato meu e desabafo meu. E é bacana que daqui a quarenta anos talvez alguém repagine essa música e diga o mesmo recado através dela, ela vira atemporal pela questão geracional. De fato ela vai ficar aí para ser usada em algum outro momento com uma nova roupagem para passar o mesmo recado.

No fundo, eu também acredito que a vida se dá num ciclo espiral ascendente. A gente vai vivendo, as gerações aparecendo e às vezes se repete um ciclo parecido que a gente já viveu. Esse momento com tantos artistas desempenhando trabalho tão importante na música brasileira é parecido com alguns do que a gente já viveu há algumas décadas.

FB: No meio desses ciclos novos, você tá conhecendo muito mais pessoas. Você fez novas parcerias?
Jeneci: Ainda não fiz, mas eu comecei a me aproximar de alguns artistas através do contato delas com a minha música. Erasmo [Carlos], Lulu Santos, que são pessoas que eu me identifico. Eles fazem músicas que eu gostaria de ter feito, sem nenhuma inveja. O que eu tento fazer é algo que eles também fazem, música pop. E que dependendo do esforço, da inspiração, trazem camadas para durar no tempo. O Erasmo tem músicas assim, Lulu tem milhares de músicas assim e eu fico tentando fazer músicas assim.

FB: O Erasmo já te elogiou entrevistas e comentou sobre uma possível parceria. Mas com o Lulu é novidade, vocês já tocaram juntos?
Jeneci: Não, ele foi em alguns shows meus, e todas as vezes que ele tocou em São Paulo pediu para a produção dele me convidar, e convidar a Tulipa também. A gente sempre vai no camarim falar com ele. Combinamos de fazer uma música juntos, de repente pro próximo disco dela, seria pro disco da Tulipa. Deixamos isso no ar para em algum momento se aproximar para compor junto, será uma honra. Eu só preciso trabalhar mais um pouquinho para chegar com uma música que tenha a ver e ele goste.

FB: Você não pensa as parcerias para 2012, seriam para 2013 talvez.
Jeneci: Eu vou passar 2012 fazendo shows e compondo. É provável que eu insista nessas parcerias logo nesse ano, para 2013 ter um repertório grande para escolher as melhores e gravar no próximo disco.

FB: Você tem testado alguma música nova nos shows?
Jeneci: Eu vou começar a testar semana que vem [show que aconteceu no Cine Jóia em 20/2]. É uma música nova chamada “Doce Loucura”.

FB: Já pensou no formato do novo álbum? Pretende ser um disco grande, com mais de uma hora de duração, como “Feito Pra Acabar”, ou será mais compacto?
Jeneci: O tempo do disco vai ser mais curto, mas o tempo das músicas eu não vou limitar. Se o Kassin quiser, a produção continua com ele. A parceria deu muito certo, ele é um produtor excelente, um músico incrível. Eu só não produziria o disco com ele se fosse pra produzir com o cara que produziu os discos do Radiohead… o Nigel Godrich.

FB: Aí é complicado, né. Hahaha.
Jeneci: É, eu acho ele foda. Hahaha. Ele produziu Beck, Charlotte [Gainsbourg], Air. Ele é um dos produtores que eu mais gosto, e coloco o Kassin nesse meio. O Danger Mouse… Mas o Kassin tá aqui, e eu também quero fazer um disco aqui, se ele topar é provável que o próximo disco seja produzido por ele.

FB: Charlotte Gainsbourg é uma referência que eu não esperava ouvir. O primeiro álbum dela as canções são foram produzidas para parecerem “sonhos”. O disco tem um fechamento conceitual forte. Você pensa em criar um conceito para seu próximo disco?
Jeneci: Não tanto. Depois de pronto eu monto o quebra-cabeça. Me dedico muito no processo de composição para conseguir um disco que não tenha apenas uma, duas, três ou somente quatro músicas que merecem ser gravadas; mas sim todas. Penso muito também em ouvir cada canção crua, voz e piano, ou voz e violão, a sonoridade que elas pedem — não me prender a nenhum conceito. Tentar arrancar de dentro a arregimentação dela, a instrumentação delas. Se elas precisam de um violão de doze cordas, de uma orquestra, de um coral de igreja, se deve que ser gravado dentro de uma igreja.

Tem uma música que eu sei que tem isso pro próximo disco. Precisa de uma sessão igual a que fiz com Verocai [Arthur Verocai fez os arranjos de orquestra em “Feito Pra Acabar”] mais um coral de quarenta pessoas! A ideia é expandir o que já foi conquistado.

FB: Essa é a “Doce Loucura”?
Jeneci: Não, é uma outra mais religiosa. Ainda sem nome, e não é ‘spiritual’. Eu tive contato com a igreja evangélica na infância e adolescência, a música tem melodia e letra para tocar nas pessoas que tem uma relação forte, mas guardada no cantinho com alguma religião. Que em algum momento resolveu desencanar, mas aquilo fica intrínseco. Acho que todo mundo tem um pouco disso, e vou atrás disso, de algo que todo mundo sinta um pouco.

FB: O dueto que você e Tulipa Ruiz fazem nos shows, “Dia a dia, Lado a Lado”, entra no seu disco? Ou no dela?
Jeneci: “Dia a dia…” a gente pretende gravar nem no meu disco nem no dela, que seja em um projeto dos dois. No final da turnê do Feito Pra Acabar e no final da turnê do Efêmera, tentar fazer a turnê Dia a Dia, Lado a Lado em umas dez capitais lançando esse single, físico ou só em download.

FB: É o que está sendo testado com as apresentações no Circo Voador e Cine Jóia, então? Só que em vez de dois shows, será um só.
Jeneci: Tá começando assim, daqui a pouco junta a mesma banda pros dois num show de uma hora e meia. Acho que vai rolar em algum momento, só precisa sincronizar as agendas, porque ela já quer gravar o próximo disco no primeiro semestre e eu tenho que terminar a turnê Feito Pra Acabar. Ou então faz como os Los Hermanos, escolhe dois meses e faz só isso. Sei lá, setembro e outubro de 2012 para fazer essa turnê e foi.

FB: Veio de uma recente turnê nos Estados Unidos, como foi lá?
Jeneci: O interessante é que o público era praticamente americano, com alguns brasileiros. O que eu achei muito legal, que eu não identifico nada de brasileirismo nas minhas músicas. Um público muito atento e receptivo, aí eu cantei em inglês a música “Feito Pra Acabar”. Foi uma versão feita por um escritor, poeta e tradutor chamado David Treece, que traduziu alguns livros do Guimarães Rosa pro inglês, e é uma amigo do Zé Miguel [Wisnik]. Ele fez uma versão muito bonita, modifiquei algumas coisas, e a mesma reação que tem aqui no final das músicas eu tive lá. A galera ovacionar e escancarar que aquela música que eles mais se impressionaram. Fomos com a banda toda, e é super difícil conseguir ir em turnê internacional com seis músicos. David Byrne na platéia — ele já tinha o disco, conheci a Norah Jones, uma figura. Bem vagarosamente vamos abrindo portas sem precisar fazer uma música “para gringo ver”.