Tulipa Ruiz | Tudo Tanto

Tulipa Ruiz

Tudo Tanto

[Independente; 2012]

5.0

ENCONTRE: Site Oficial

por Matheus Vinhal; 13/08/2012

Depois de se tornar uma das mais exitosas cantoras brasileiras com o seu primeiro disco, encontramos Tulipa Ruiz em “Tudo Tanto” como encontramos muitos artistas em seus segundos discos: com acertos e erros, mudanças de direção e a sensação de que há um tanto ainda a corrigir. Talvez seja importante considerar o momento atual de Tulipa pra falar desse novo disco. Em poucos anos, com apenas um disco, a cantora se tornou referência dentro do imenso grupo de cantoras desse país, com uma audiência que foi crescendo aos poucos mas rapidamente – uma façanha e tanto.

Tulipa agradou em especial um público específico no Brasil: o de uma classe média alta e “intelectualizada”, em geral um pouco consciente da evolução da música brasileira pós-Bossa Nova, interessada por música pop, mas que acha complicado ouvir Michel Teló ou Gaby Amarantos, por exemplo. Da mesma forma que Amarantos representa uma busca pela formatação de um som da nova classe média brasileira, Tulipa representa a busca pela formatação de um pop supostamente sofisticado, requintado, que agrade em especial os frequentadores da Livraria Cultura – a cantora é das que mais vende discos na loja. Em “Tudo Tanto”, se não é necessariamente a esse público que Tulipa se dirige, é ele seu principal ouvinte.

Em certas canções, como na boa “Quando Eu Achar”, Tulipa parece desenvolver por sua própria voz um deslumbramento infantil, como a criança que, quando da noite de Natal, corre extasiada em volta das visitas gabando-se do seu fabuloso presente. É neste momento, quando o estranhamento com a voz de Tulipa se torna o ponto central de sua música, que a mágica se desfaz e “Tudo Tanto” se mostra pouco. “Efêmera”, seu primeiro disco, possuía uma boa dose de experimentações vocais, mas sua força primeira – aquilo que fez com que a cantora se tornasse uma das mais queridas dos recentes anos – residia na verdade nas composições de temática cotidiana, pontuadas por pequenas estranhezas, dentre as quais os floreios da voz de Tulipa eram apenas uma de muitas (ouvir “Pontual”, “Efêmera”, “Às Vezes”). Longe de serem perfeitas ou mesmo excelentes, as canções de “Efêmera” formavam um conjunto coeso de voz, arranjos e temática. Deste ponto de vista, apesar de bons momentos, “Tudo Tanto” se mostra mais irregular que o primeiro disco da paulista.

Obviamente, isso não quer dizer que encontramos Tulipa pior vocalmente em seu novo disco, pelo contrário. Sua voz está melhor, sua dicção mais nítida, vê-se claramente a evolução da cantora ocasional de “Efêmera” para a profissional, com uma longa turnê nas costas, de “Tudo Tanto”. Ao que parece, tal refinamento em sua voz foi buscado também na produção e nos arranjos do novo disco. Assim, para uma voz mais calibrada e consciente de si, a decisão do irmão, produtor e guitarrista Gustavo Ruiz foi fazer de “Tudo Tanto”, em termos de arranjos e timbres, um disco mais convencional e conservador do que o anterior. Os efeitos de sintetizadores diminuem, crescem as orquestrações de apoio. De certa forma, a tentativa foi bem sucedida, mas a decisão se mostra infeliz pela sua irregularidade.

Houve também uma tentativa, esta sim não tão bem sucedida, de uma suposta sofisticação na temática das letras. Assim, sai quase toda a abordagem do cotidiano ou do habitual, dando lugar a uma linguagem mais abrangente. Em “Tudo Tanto”, o ouvinte pode procurar, mas não achará nomes próprios como os de Pedrinho, não se deparará com Tulipa chegando atrasada ao cinema, às vezes indo à Augusta, ouvindo “Money for Nothing”, aprendendo a dançar etc. Não há exatamente um problema nessa mudança e o nome do disco demonstra que tal modificação é reconhecida e, talvez, intencional. Enquanto “Efêmera”, como nome também diz, tinha o costumeiro e momentâneo como seu tema principal, “Tudo Tanto” se interessa especialmente por situações mais universais, menos específicas.

Tulipa busca nesse novo disco um tanto desse tudo universal, um som/lugar onde o maior número de pessoas se reconheça, em especial em relações amorosas. Entretanto, além da execução dessa abordagem se mostrar insuficiente e encontrarmos canções menos interessantes do que em “Efêmera”, parece haver na decisão de Tulipa uma ignorância sobre o quanto as canções de seu primeiro disco revelavam sobre a maior parte de seu público. Com suas idas ao shopping, ao centro da cidade, pelo seu tédio da tarde de domingo, Tulipa cantava não só o seu cotidiano, mas o da grande parte dos seus ouvintes. A identificação era grande e sincera e o sucesso do disco se deve em especial a isso e ao espanto inicial com a diferente mas acessível voz da cantora. Com relação à produção, houve uma ainda maior aproximação com seu principal público. Esperadamente, há uma delicadeza e um cuidado nos arranjos e na produção de “Tudo Tanto” que realmente não havia em “Efêmera”, fazendo do segundo disco de fato algo menos “enjoável” que o primeiro.

Tulipa ainda tenta em certas canções uma certa abordagem do cotidiano, com resultados diversos. A representação mais clara de que a temática de “Efêmera” desandou é a marisamonteana “Desinibida”, na qual Tulipa canta o dia-a-dia de uma moça, que, veja só, “gosta de ter o dia livre“, “sobreviveu a carnavais” e “domestica animais“. Por isso, acredite, ela é “desinibida“, mas também o é porque “fala na lata, é concreta“. Jura? Como se não bastasse, a letra é acompanhada por uma melodia ainda menos inventiva, cujo arranjo sambinha-lounge inofensivo eleva a alguma potência desconhecida o tédio preconizado na letra. Se não fosse a malfadada tentativa de salvá-la com uma falsa jam no final, quando o estrago já está feito, a música tocaria bem na Nova Brasil FM. E ainda há a estranha sensação de que a moça da letra seja a própria Tulipa, o que faz considerar que, no fim das contas, talvez seja justamente essa possível autocongratulação bizarra que faz do novo disco de Tulipa um álbum mais fraco que o anterior, congratulação essa que, pensando um tanto, talvez seja onde também se encaixe o uso exagerado de gritos e floreios da sua boa voz.

“Desinibida” não é, no entanto, o melhor exemplo de “Tudo Tanto”, pois é muito pior do que as demais canções e há “Dois Cafés”, por exemplo, que também possui um tema mais próximo a “Efêmera”, além de um bom arranjo e uma participação desnecessária de Lulu Santos. Em geral, as outras faixas apresentam momentos interessantes, sejam em arranjos mais inventivos ou na agradável voz de Tulipa, mas não há uma ótima música no disco, como “Às Vezes”. Os melhores momentos do disco são boas melodias que às vezes saltam no meio de alguma canção, como em “Like This”, “Quando Eu Achar” ou “Cada Voz”.

“Cada Voz”, aliás, talvez seja a melhor canção de “Tudo Tanto” e mais perfeita contraposição a “Desinibida”. É impressionante como pode haver arranjos tão dissimilares dentro desse mesmo disco. “Cada Voz” é a tentativa mais bem sucedida de “Tudo Tanto” de produzir um pop sofisticado em português, esse pop agradável e inofensivo, que teoricamente não se compra nas barracas de camelôs, mas nas estantes da Livraria Cultura. Nesse sentido, é o único momento em que “Tudo Tanto” cumpre um pouco do tanto que promete.